Sasha Grey, ex-estrela da indústria pornográfica, tem algo em comum com
seu conterrâneo Philip Roth. Ambos se irritam quando os críticos
insistem em cotejar sua obra e sua biografia. “Meu livro é ficção”,
afirma Sasha, de 25 anos, autora de
Juliette Society (assim mesmo, em inglês), lançado no Brasil pela editora Leya. O livro navega na onda do erotismo feminino criada por
Cinquenta tons de cinza.
É mais picante e foi escrito com evidente conhecimento de causa. Sasha
começou a fazer filmes pornográficos aos 18 anos, causou impacto com seu
estilo impetuoso de atuação e, dois anos atrás, no auge, anunciou que
tinha parado. Desde então, fez um filme cabeça com Steven Soderbergh,
pontas em séries de TV e um livro de fotografias, além do romance
satírico, que lançará pessoalmente no Brasil entre 19 e 25 de agosto.
ÉPOCA – Seu livro é fruto de experiência ou apenas ficção?
Sasha Grey – Você realmente acha que Bruce Willis é um superpolicial capaz de fazer todas aquelas coisas que ele faz em Duro de matar? Aquilo é ficção, assim como meu livro é ficção.
ÉPOCA – A senhora não usou sua experiência na indústria pornô para escrever?
Sasha – Obviamente usei algumas de minhas experiências na
frente das câmeras, assim como as histórias que li e ouvi de outras
pessoas, para construir os cenários sexuais do livro. Essencialmente é
ficção, mas, se os leitores quiserem imaginar outra coisa, não me
incomodo. Quero que gostem do livro e se divirtam.
ÉPOCA – Como seu livro se compara a Cinquenta tons de cinza?
Sasha – A maior diferença entre eles é que, em Juliette Society,
a protagonista, Catherine, não é uma garota ingênua que não sabe nada
sobre seu corpo ou sobre sexo. Ela é uma jovem mulher instruída,
sexualmente competente, que ainda tem muito a aprender. Tem um namorado
que ama, mas não vive num mundo super-romântico. Não procura um homem
que vá ajudá-la a fazer tudo o que ela sempre sonhou. Catherine é uma
mulher independente. Essa é a diferença mais importante entre os livros:
o meu tem um personagem relacionado ao século XXI.
ÉPOCA – Seu personagem é mais feminista que a Anastasia de E.L. James?
Sasha – Não sou uma grande fã do termo feminismo. Ele esconde
muitas coisas diferentes. Há feministas conservadoras, que consideram
toda pornografia uma forma de estupro. E há feministas liberais, que
fazem topless e lutam por liberdade. Catherine não é feminista, é
independente. Ela não espera que os homens lhe tragam a vida numa
bandeja. Para mim, isso é muito importante.
ÉPOCA – A senhora se considera alguma espécie de feminista?
Sasha – Me considero uma mulher positiva em relação ao sexo,
que conseguiu poder sobre sua própria vida. Para mim, feminismo é uma
palavra vazia. O feminismo liberal virou piada na imprensa,
infelizmente. Mesmo que as pessoas tenham uma causa justa, a mídia faz
parecer que estão apenas atrás de publicidade.
ÉPOCA – As feministas que consideram a pornografia uma forma de degradação feminina estão erradas?
Sasha – Discordo totalmente delas. Tenho minha própria
experiência nesse assunto. Pornografia pode ser uma experiência
positiva. É muito fácil julgar as pessoas que fazem escolhas diferentes,
especialmente quando essas escolhas não são socialmente aceitáveis.
Minha opinião sobre isso é muito simples: se você não gosta de algo, não
veja. Ponto. Há causas mais importantes no mundo que banir a
pornografia.
"Sempre fiz questão de estar
excitada antes de entrar em
cena, para me divertir"
ÉPOCA – Alain de Botton, um filósofo suíço, diz que nosso
cérebro não está preparado para lidar com a excitação da pornografia,
por isso afirma que ela deve ser controlada...
Sasha – Está errado. Em vez de tentar esconder as coisas,
fazendo se tornarem ainda mais secretas e vergonhosas, deveríamos falar
abertamente sobre elas. Quando os adolescentes começam a ter aulas de
educação sexual na escola, deveríamos conversar com eles sobre a
pornografia. Educá-los. Não quero dizer, evidentemente, que as garotas
devam ser incentivadas a fazer no primeiro encontro aquilo que se faz
nos filmes. A pornografia é a última fantasia da qual temos vergonha,
porque tem a ver com a sexualidade. Temos escondido nossas fantasias
sexuais por muito tempo. Não se pode fugir eternamente.
ÉPOCA – A senhora não concorda que certos filmes pornográficos são fortes demais para os jovens que navegam na internet?
Sasha – Sim, mas também acho que não adianta fugir do assunto e
apenas dizer aos jovens que aquilo não presta. Os garotos descobrem a
pornografia na internet com 12 ou 13 anos. Em vez de puni-los, seria
melhor se os ensinássemos que aquilo são fantasias e que eles não podem
praticá-las com a primeira garota que encontrarem. É preciso achar a
pessoa certa e conversar sobre o assunto. Ela precisa concordar. Não
entendo por que a pornografia é a única forma de entretenimento que as
pessoas acham que podem reproduzir sem consequências. Ninguém pensa o
mesmo sobre filmes de aventura ou violência.
ÉPOCA – Algumas pessoas dizem que a senhora virou uma intelectual da pornografia...
Sasha – Acho isso engraçado. Quando decidi fazer pornografia,
um de meus objetivos era desafiar o sistema e os estereótipos que ele
criava das mulheres. Usei minha conta no Myspace para me comunicar com
os fãs, dividir minhas histórias, falar sobre filmes, literatura e
música. Não sei de outra mulher antes de mim que tenha usado a internet a
favor dela dessa forma, para deixar de ser percebida apenas como uma
gostosa de tempo integral, alguém que está sempre segurando um pedaço da
anatomia masculina. Há muitos homens em Hollywood que são símbolos
sexuais e são percebidos também como intelectuais, mas poucas mulheres.
ÉPOCA – A senhora acha que conseguiu mudar alguma coisa na indústria pornográfica?
Sasha – Certamente consegui. Planejei meus desempenhos para
mudar a forma como as mulheres são percebidas. Se você prestar atenção
às garotas que entram na indústria pornográfica agora, verá que são mais
independentes. Elas têm sua própria personalidade. Não precisam parecer
apenas um buraco para o prazer dos outros. Meus desempenhos diante das
câmeras tiveram um papel nisso. Mostravam que as mulheres não tinham de
sentar lá, passivamente, e aceitar tudo como uma cadelinha. Eu queria
desafiar e instigar meus parceiros em cada cena – e fiz isso.
ÉPOCA – Por que a senhora teve tanto sucesso na indústria pornográfica?
Sasha – Falar disso faz com que eu pareça meio arrogante, mas
vamos lá. O motivo é que eu tinha um plano. Usei a internet para me
comunicar com meus fãs, para falar de coisas que nada tinham a ver com
sexo, e isso me humanizou. Gosto de pornografia, mas a pornografia não
era minha identidade. Se as pessoas me conhecem apenas pelos filmes,
tudo bem, mas sempre fui mais que isso.
ÉPOCA – A senhora tinha poder sobre seus filmes?
Sasha – Quando ligavam para meu agente para agendar uma cena,
perguntavam se eu aceitaria fazer aquilo que tinham em mente. Havia um
acordo prévio. Antes de chegar ao estúdio, eu tinha de saber se haveria
apenas um cara, ou se seriam um cara e uma garota, ou se haveria sexo
anal. Tinha de me preparar antecipadamente. Uma vez no set, o diretor
não fazia muita coisa. Basicamente, os atores decidem como querem fazer
sexo e fazem. Então, respondendo a sua pergunta, eu tinha controle sobre
o que fazia e sobre a forma como fazia. Algumas empresas pedem que você
seja mais romântica e grite menos, mas, nesse caso, eu simplesmente
ignorava e fazia do meu jeito.
ÉPOCA – Havia prazer físico ou era apenas outro dia de trabalho?
Sasha – É como um relacionamento novo. Nos primeiros seis
meses é realmente excitante, mas um dia o relógio toca às 5 horas da
manhã para uma filmagem, e tudo o que você quer é voltar a dormir. Eu
ficava muito preocupada com isso. Não queria perder o gosto por sexo nem
atuar só por obrigação. Não há nada pior do que gente que não gosta de
sexo transando diante da câmera. Sempre fiz questão de estar fisicamente
excitada antes de entrar em cena, para me divertir. Por isso me
masturbava. Todo mundo sabe que, na indústria pornô, não há
preliminares.
ÉPOCA – Recomendaria sua escolha a garotas de 18 anos?
Sasha – Não recomendaria ser dentista a uma garota de 18 anos.
Não quero ditar o que as pessoas deveriam fazer ou não. Não estou aqui
para ser líder ou bússola moral de ninguém. Se alguém acha o que fiz
inspirador, bacana. Mas não faça o mesmo apenas porque alguém quer que
faça ou porque deseja ser famosa. Faça pelas razões certas.
ÉPOCA – A indústria pornográfica tornou-a rica?
Sasha – Rica em caráter.
ÉPOCA – Arrepende-se por algo que fez profissionalmente?
Sasha – Não.